Letras do Tempo | Blog do João Viegas

Por um fio dental, Gisele!

Foi arquivado ontem pelo Conar a representação aberta contra o comercial da Hope, estrelado pela prata da casa, Gisele Bündchen. O órgão não-governamental de autorregulamentação da esfera publicitária decidiu que “os estereótipos presentes na campanha são comuns à sociedade e facilmente identificados por ela, não desmerecendo a condição feminina”.

Claro, Conar! Quem seriam vocês para desbancar todas as cervejarias e todas as redes de TV, sobretudo as produtoras de teledramaturgia, que também usam e abusam do sexismo e da exploração fútil do corpo feminino, na ânsia vertiginosa pela venda e pelo IBOPE? Já vem sendo feito há tanto tempo, não é? Vemos tanto que já achamos comum mesmo! Ivan Pavlov que o diga! O comercial da Hope é só a ponta do iceberg. O problema é quebrar todo o gelo que está embaixo. Mas haverá alguns que ainda pensarão: “Nossa, tanta tempestade num copo d’água!”, “Quê que tem? Nada demais, deixa a moça!, Ai, credo, povo chato!”. Dá até para escutar.

Censurar o comercial da Hope seria dar um tiro nos próprios pés, porque as cervejarias e redes de teledramaturgia cairiam matando em cima do órgão dizendo que isso é um absurdo.

Desavisados, ainda, seriam aqueles que pensassem que este que por ora lhes escreve se enquadra na bancada conservadora, puritana e casta, inimiga do sexo. Na na não! Não sou hipócrita nem ingênuo. Gosto do que a maioria gosta, sou humano como todos, mas minha bancada é: “dá pra fazer publicidade e propaganda, vender, convencer, persuadir sem ter que apelar para o sexo, o humor destrutivo ou a miséria alheia? E mais… existem outros valores nos publicitários, que não os da vala comum, que os permitam a arte da venda, do convencimento, da persuasão e do serviço sem terem que vender sua alma aos interesses do sistema de produção de conteúdo? Conseguirão enlevar (causar enlevo, extasiar, encantar, cativar, absorver), ao invés de subverter, disfarçar, deformar ou de DESINFORMAR? Conseguirão melhorar o modelo atual de apelo? Porque, Gisele, querida, você não tem culpa alguma! Alguns até quiseram transferir para você a “culpa” pela campanha, se apropriando da sua imagem representativa no vídeo em questão como co-autora. Você é linda de viver, como diria Hebe Camargo, e mostra ao mundo o charme e a beleza física que é possível existir. Agora, para falarmos da sua beleza íntima, teríamos que conhecê-la bem, é verdade, mas ao que tudo indica, você parece ser uma garota bacana, profissional, alegre, etc. O que se questiona aqui é a construção do imaginário coletivo em torno de valores descartáveis.

Foi exposto que “No documento em que pede a abertura do processo, o órgão da Presidência da República considera que a propaganda “promove o reforço do estereótipo equivocado da mulher como mero objeto sexual de seu marido e ignora os grandes avanços que temos alcançado para desconstruir práticas e pensamentos sexistas.” “Também apresenta conteúdo discriminatório contra a mulher, infringindo os arts. 1° e 5° da Constituição Federal.”

Portanto, fico a imaginar: só conseguimos nos comunicar pelos poros e pelos? Ou podemos também nos comunicar pelas janelas subjetivas do ser? Só vai se for pela animalidade que existe em nós? Ou dá para fazer algo construtivo e encantador, genuinamente altruísta, que saia do discurso comum, como comparar cerveja à mulher loira (ou loura, como queiram)? Dá para vender calcinha com o mote certo, ou melhor, diferente? Sem subverter o uso da calcinha e da existência da mulher? É pedir muito? Ou será que podemos sempre melhorar a forma de tudo, sem cairmos em discursos puritanistas, conservacionistas e outros” istas” do gênero? Será que conseguiremos um dia colocar a mulher na posição de sujeito e não de objeto-objeto? Porque a pergunta que talvez vocês leitores se façam agora seja: “Pera aí, como vender calcinha sem colocá-la em um corpo escultural e não mandar ver na tríade de apelo “sexo X dinheiro X caminho fácil para resolver problemas”?

Fácil! Mas não sou da agência que criou para a HOPE.

E talvez ainda se perguntem: Então porque não cria para eles?

Bem, quiseram que eu estivesse aqui escrevendo esta reflexão, no que me contento com tranquilidade, por menor em glamour e mais confortável que isso pareça diante da criação de uma propaganda com veiculação nacional. Entretanto, lanço o desafio aos publicitários, colegas de profissão, ressaltando que isso é APENAS uma opinião, cada um com a sua. Mas sintam-se convidados a opinar no espaço do blog.

Respostas de 4

  1. Parabéns pelo texto! Está escrevendo cada vez melhor. A escolha da foto da Gisele batendo palmas foi intencional? Ou subliminar? Palmas pra ela e pra calcinha dela.

  2. Se colocasse na propaganda da HOPE uma mulher ” normal” com suas imperfeicoes, talvez com algum pneuzinho, barriguinha, celulite; sera que tambem nao venderia? Talvez as brasileiras se identificariam mais. Ao inves de colocar na propaganda um padrao de beleza que todas sonham porque nao colocar uma mulher que mesmo sonhando com corpo escultural se aceitam do jeito que elas sao ?
    Abraco Joao

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