Letras do Tempo | Blog do João Viegas

Há alguns dias, ia eu caminhando rumo ao restaurante onde costumo almoçar, no intervalo do trabalho, quando dois homens trajados com bastante simplicidade, tipicamente como pedreiros – um mais velho, aparentando 40 anos, e um garoto que não tinha mais do que 20 – iam subindo a rua do meu local de trabalho.

Quando passaram por mim, o mais velho ia dizendo ao mais novo, em compasso apressado: “Hoje, meu fi, se o sujeito cochilar, ele não faz nada na vida.”

Aquela frase retumbou significativamente em minha cabeça e me pôs a pensar, e repensar, como de costume, no uso do tempo – meu, do outro, de todos. E vi que, à medida que o tempo vai passando, mais sonhos vamos acumulando, mais “Se’s” são usados em nossas frases e mais frustrados corremos o risco de ficar com o mau uso (ou desuso) de nosso potencial único e de nossa genuinidade, aquilo a que fomos destinados a fazer com nossa identidade cósmica. E quanto mais o tempo passa, mais vejo pessoas perdendo tempo, ainda que muitas vezes cobertas de boas vontades e desejos, que, por sua vez, caminham de olhos vendados sobre a prancha, rumo à boca do tubarão do esquecimento, da não-realização, da procrastinação, do desalento.

Os tempos modernos estão cada vezes mais vorazes e insaciáveis. As mídias e seus produtores querem e precisam, a todo custo, que nós estejamos distraídos com miudezas e quimeras incontáveis, a fim de que nós gastemos com eles o que temos de mais precioso – o tempo. E este passa, as oportunidades passam, a vida passa… O difícil mesmo é fazer com que as frustrações da não-realização de si mesmo passem. Estas andam pelo corredor, marginalmente, esperando uma brecha em meio ao fluxo descomunal de assuntos de menos importância, para surgirem em nossa main stream real e nos alertarem.

Ainda bem que, vez em quando, passa alguém na rua, gente que nunca vimos, que não sabemos de onde vêm e para onde vão, nos alertando para questões que, se deixarmos, o tempo leva e não mais temos como reaver. E é na mesma simplicidade e no mesmo compasso do pedreiro e do tempo que termino este texto.

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