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Do burnout ao estresse – o normal que adoece

Do burnout ao estresse – o normal que adoece

O burnout e o estresse no trabalho deixaram de ser exceção para se tornarem regra. Em 2025, 66% dos trabalhadores relataram sintomas de burnout¹, enquanto o estresse crônico segue sendo tratado como “normal” em muitas empresas. Mas, como lembra o médico Gabor Maté, o normal pode ser justamente aquilo que adoece.

O que chamamos de “normal” no mundo atual é, muitas vezes, um arranjo invisível de adoecimento. Jornadas intermináveis, pressão por resultados, desconexão afetiva, relações superficiais: tudo isso se tornou parte do cotidiano como se fossem inevitáveis. Em The Myth of Normal, Maté sobe o tom ao afirmar que a normalidade contemporânea é, na verdade, uma cultura tóxica, que cobra desempenho máximo, mas oferece cada vez menos espaço para ser humano.

Essa lógica não fica só no campo das ideias, ela entra no corpo. Maté mostra como o estresse constante, naturalizado como “parte da vida”, afeta o sistema imunológico, aumenta inflamações e abre caminho para doenças físicas e psíquicas. O problema é que a sociedade trata ansiedade, depressão ou burnout como falhas individuais, quando na verdade são sintomas de um ambiente coletivo que perdeu o senso de equilíbrio.

E os números comprovam: além dos 66% já citados, outro relatório apontou que 82% dos trabalhadores vivem burnout, mesmo que 88% se declarem engajados². No Brasil, cerca de 1 milhão de trabalhadores sofrem com distúrbios mentais³. Segundo o portal jurídico Brazil Counsel — com base em dados do INSS —, 38% das licenças médicas no país decorrem de transtornos psicológicos (Brazil Counsel, 2025)⁴. Não são casos isolados: este é o retrato claro das nossas organizações, na atualidade.

Homem esgotado estressado
Foto de LARAM na Unsplash

No excelente livro When the Body Says No, publicado anos antes, Maté detalha o mecanismo dessa resposta. Pessoas que vivem dizendo “sim” para tudo e todos, mesmo às custas de si mesmas, acabam tendo seu limite imposto pelo próprio corpo. A doença aparece como um “não” tardio, mas incontornável. Doenças autoimunes, câncer e transtornos ligados ao estresse são frequentemente associados a perfis que reprimem emoções, evitam conflitos e priorizam o outro acima de qualquer limite pessoal.

Se unirmos as duas obras, a mensagem é direta: quando a cultura normaliza o excesso e o silêncio, o corpo fala. E ele fala alto. Nas empresas, esse aprendizado deveria soar como um alerta. Quantos ambientes ainda reforçam a cultura do “dar conta de tudo” sem criar espaço para vulnerabilidade? Quantas lideranças confundem comprometimento com autoanulação? O burnout corporativo é apenas a ponta do iceberg de uma crise de saúde mental que cresce silenciosamente.

A Psicologia Organizacional encontra aqui um terreno fértil. Ambientes saudáveis não se constroem apenas com benefícios de prateleira, kits de boas-vindas ou padrinhos para novatos, mas com práticas reais de cuidado: políticas que respeitam limites, culturas que estimulam diálogo e lideranças capazes de enxergar o ser humano antes do crachá. O estresse crônico no trabalho não pode ser considerado normal.

Para líderes e gestores, a lição é dupla: primeiro, questionar o que a empresa trata como normal; depois, aprender a escutar os sinais antes que o corpo dos colaboradores (ou o seu próprio) precise gritar. O futuro das organizações passa por entender que bem-estar não é custo, é fundamento de sustentabilidade.

Precisamos repensar a normalidade e respeitar os nãos do corpo. Porque só assim podemos dizer um “sim” verdadeiro a uma vida e a um trabalho mais humanos. Não há outra solução senão a humanização das culturas organizacionais. E só haverá cultura humanizada a partir de lideranças humanizada. Não apenas líderes-chefes, mas qualquer um que se destaque no desenvolvimento humano de si mesmo e que conduza e auxilie seus pares a conquistar o mesmo dentro das empresas.

Sem desenvolvimento humano não há cultura humanizada.

O que você pensa sobre isso? Já passou por burnout? Você trabalha sob estresse constante? A cultura e a liderança da sua empresa têm diálogo acolhedor? Comente aqui.


Referências

Robinson, Bryan. Job Burnout At 66% In 2025, New Study Shows. Forbes, 8 fev. 2025. Disponível em: https://www.forbes.com/sites/bryanrobinson/2025/02/08/job-burnout-at-66-in-2025-new-study-shows. Acesso em: 17 out. 2025. ▸ Fonte primária do dado “66 % dos trabalhadores relataram sintomas de burnout”.

DHR Global.New Report Reveals Burnout Having Little Impact on Employee Engagement.DHR Global Newsroom, 2025. Disponível em: https://www.dhrglobal.com/news/new-dhr-global-report-reveals-burnout-having-little-impact-on-employee-engagement. Acesso em: 17 out. 2025. ▸ Relatório corporativo global que traz os índices “82 % burnout / 88 % engajamento”.

Brazil Counsel. Brazil Adds Mental Health to Workplace Safety. 12 jun. 2025. Disponível em: https://www.brazilcounsel.com/blog/brazil-adds-mental-health-to-workplace-safety. Acesso em: 17 out. 2025. ▸ Conteúdo informativo de caráter jurídico sobre a inclusão da saúde mental nas normas de segurança do trabalho.

Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Brasil tem um milhão de trabalhadores em sofrimento mental. Jornal da Unicamp, 7 abr. 2025. Disponível em: https://www.jornal.unicamp.br/brasil-tem-um-milhao-de-trabalhadores-em-sofrimento-mental. Acesso em: 17 out. 2025. ▸ Reportagem baseada em dados do Observatório de Saúde do Trabalhador (UFBA / Fiocruz).

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